terça-feira, 28 de junho de 2016

tudo o que tenho a dizer

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É preciso enlouquecer um pouco para encontrar a entrega necessária das nossas palavras sobre o que queremos dizer ao outro. Quando elas já se encontram rendidas nas mãos, talvez fiquemos só esperando por alguém que as entendam em sua forma nua e crua quando saem voando em liberdade de dentro da gente.
Falo da necessidade exata de como gostaríamos que fossem ditas. É só lembrarmos nossa ansiedade ensaiando as frases perfeitas e o texto exato para o momento certo que aquela pessoa ficará em nossa frente, olhando fixamente dentro dos nossos olhos. Tão programadas e provocantes, não?
Temos que enlouquecer mesmo para colocar os pingos no is. Porque as verdades doloridas e absurdas estão aí e podem até nos tocar além do que podemos suportar, mas é de um tempo único e vivido de uma só vez que necessitamos para saber o que sentimos. Precisamos tantas vezes saber ao certo por que paramos, para onde vamos e o que devemos fazer a cada pausa que a vida nos obriga a fazer.
Quem não sente que tem que provar um pouco dessa loucura todos os dias, ao menos por algum instante na vida? Ter que dizer, gritar ao outro ou ao mundo o que esperneia de sentimentos dentro do corpo? Melhor ir logo ao assunto enquanto há tempo e fôlego, porque elas, as santíssimas e ao mesmo tempo endemoniadas palavras necessitam estar aonde caminha nossa loucura que se veste de impaciências, dormências, inconsciências, e algumas vezes se torna a fiel conselheira invisível tão urgente.
Agora penso que falar dessa loucura é estar mais perto do que é mais verdadeiro que se tem a dizer. Não se pode negar o que se tem dentro de si. Às vezes parece que é aleatório, vindo tão intensamente, sem saber ser dito em uma linha lógica que estrutura as ideias num ato continuo.
E se as tais respostas não vierem até nós, persistirão as interrogações querendo tomar um corpo marcado tensão do não entendimento, do não saber para que serve tudo isso que está diante de nós, em que pode ser útil e verdadeiro em seu estado mais puro. Nada das obviedades que estamos acostumados a nos equilibrar: para onde, para quê, não olhe, não pare, não toque.


segunda-feira, 20 de junho de 2016

mania de ver o outro


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Tudo manifesta nossa mania de ver o outro. Sabemos e somos bem conscientes que temos esse lado observador, perscrutador da presa fácil que se mostra sem saber a quem. Acontece em qualquer lugar, é só alguém estar lá. Mesmo que não percebam - os observados -, muitas vezes nos deixam extasiados diante de qualquer coisa que eles fazem, às vezes nos tiram do chão por um simples olhar que lançam ao acaso, são infinitas as intenções.
Já manifestei esse meu lado através da escrita. Minha mania é de longa data, nem saberia dizer ao certo, mas faz tempo que brinco com o que acontece dentro de mim - esse bendito mal da observação do outro. O outro que me cerca e prende, onde eu estiver. É que desse outro que não me canso nunca. E peco demasiado por ele, pois penso também por ele, mas não dá para viver a vida de ninguém, ainda que seja na mais pura ficção porque há sempre a volta ao lugar real.
De uns tempos para cá - também não saberia dizer quando começou essa angústia - não desejo mais escrever uma linha de um poema sequer, pois algo me esgotou nesse caleidoscópio de dores - sempre a dor do outro misturada à minha delicada atração do olhar. Vou partir para outras formas de expor o que vejo. Não deixarei de escrever jamais, mas meus poemas, só poucos saberão deles. Eles existem e ficarão guardados, pois não tenho mais necessidade de revê-los, pelo menos não agora, talvez lá no futuro.
A loucura de enxergar alguém ultrapassa qualquer experiência. Ver alguém, um desconhecido praticamente nu, mostrando tudo o que sua vida lhe dá. Às vezes eu não entendo, mas me esforço e desejo sobretudo continuar suas histórias. É sobre isso que falo: nossa forma de conquistar o mundo, como um personagem trilhando os caminhos do roteiro que alguém lhe passou, sem saber o desfecho, muito menos o final.
Pude ver, mesmo antes dessa conversa toda, que escrevo somente pela minha curiosidade que tantas vezes ultrapassa a vida do outro para ganhar uma vida própria, diferente de tudo o que existe. Se posso dar formas a muitas vidas e brinco com esse poder que me estilhaça toda, também posso esconder um pouco desse mistério da minha criação, pois acredito que nem sempre é bom mostrar tudo o que se tem, pode ser trágico demais. Prefiro esse atrevimento do olhar às escondidas, que revela sem perceber.

Por tudo isso escrevemos: para dar formas ao que existe e ao que criamos das nossas fantasias e histórias inventadas.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

não é tão difícil despertencer

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O mais difícil é fazer da vida que se leva algo que ultrapasse os dias normais, quando se tem necessidade de voar, não-estar, despertencer, desconstruir e alcançar o mais alto voo.

Contentamentos ininterruptos, gritos de completude, uma obra de arte acabada de si. Como fazer? Somos ainda tão incompletos e sobrevivemos disso tudo, deixando apenas que as ondas passem pelos nossos olhos pasmos.

Quando se persegue o estado de graça parece que a luta é maior do que se imagina, porque o encantamento está muito mais nas pequenas coisas que deixamos passar ao longo dos dias. Sim, no minúsculo grão de areia que forma grandes véus na praia ou no deserto ao fim da tarde ou perante o sol do meio dia; no canto alto dos pássaros rompendo as manhãs; no abraço caloroso do amigo que não se vê desde ontem; no sorriso de um estranho ao cruzar a rua; no aceno despido de segundas intenções; nos gestos  nobres que podemos nos apropriar com mais frequência; no que é substancialmente nosso e ainda falta descobrir.

Nas raras entrelinhas expostas dentro da gente podemos encontrar tudo o que nos faz bem e que, até certo momento na vida, entendemos que é a felicidade. Um clarão que vem para nos fazer acreditar e instigar a querer viver mais, um dia de cada vez, com direito a café da manhã, almoço, jantar e até algumas doses extras de alguma novidade. Talvez este seja o sabor que surpreende, quando não temos hora marcada, nem está descrito no cardápio com todos os detalhes.

Fala-se muito em paisagens paradisíacas, daqueles lugares que o mundo poderia acabar, e embora estivéssemos lá no momento morreríamos rindo à toa com o rosto voltado para o horizonte, sem pressa nenhuma para alguma chegada, pois os nossos pés já estariam lá, isso bastaria.

Com tudo isso podemos criar incontáveis paisagens dentro da gente, para que nossos dias também sejam lugares únicos para quem está ao nosso redor, para que sejam dias inspiradores.


São os meus dias, nossos dias criados e inventados, onde tudo o que é permitido faz todo sentido.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

difícil saber quem se é

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Se existe algum mistério no mundo, para mim, o próprio mistério sou Eu. Como pode alguém sentir céus e infernos dentro de si? Aí está a minha maior confissão.

Mas tenho mais a confessar do que imagino, embora ainda não saiba relatar todos os meus pecados de uma só vez. Necessito de pausas. E de uma coisa tenho consciência: que eles - todos os meus pecados - estão alvoroçados dentro da minha alma e vivem também como eu.

Ainda tenho outra confissão maior que está aqui comigo: não quero apenas passar pela vida, sem brilho, sem entusiasmo. Como é difícil fazer algo fora dessa prisão. Como sair? Até bem pouco tempo eu não sabia o que significava a grande prisão. Só aos poucos, a visão se tornava cada vez mais líquida. A grande prisão de que falo é não poder sair da vida para olhar ao redor o que nos move com força.

E como se sai da vida em direção ao infinito? Isso eu nunca soube responder, aliás, nunca tive resposta alguma. Mas há pessoas que parecem ter a resposta. E por que elas não me diriam? Por que é sempre muito difícil revelar segredos impossíveis.

Às vezes pensamos que nossas histórias são únicas, impares como o firmamento. Mas, não. Eu que não tenho mais esse engano. A verdade é que todas as pessoas sofrem, se inquietam, enlouquecem todos os dias. Estão aqui para tudo isso. É uma percepção que me atravessa faz provar dessa suprema verdade.

É difícil saber quem se é, ter essa extrema e peculiar noção de si, do ser que reveste o corpo. Clarice Lispector não sabia quem ela era de verdade, acredito mesmo que nunca teve uma visão tão apurada das verdades sobre si. Eu também não, e sou tão diferente dela, e ao mesmo tempo me deixo confundir com sua percepção cortante de si mesma.


Só não quero nem desejo provar do que sempre compreendo da vida. Quero ser como a areia-poeira, assim, um corpo-poeira, para me desfazer de qualquer coisa que agrida meu espírito. Quero viver, isto sim.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

tocar o que se diz humano

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Poderíamos falar hoje do ciclo imerso, afundado e profundo dentro do ser aparentemente resolvido. Como se esperasse a próxima fase do seu ato de aceitar sem se convencer que do outro lado existe outro ser como ele, que toca o lugar inalcançável da pele. Não, não é disso, de pele nua e crua que falamos, você e eu. É de algo que ultrapassa os poros, sabemos, só que nem sempre sentimos o impulso do gesto que todas às vezes se move tão lentamente.

Estamos agora todos equivocados, será? Confundimos toda essa coisa com o já conhecido que domina e cedemos aos caprichos que temos nas mãos, feitos de doses aleatórias do humano.

É preciso tocar o que se diz humano, senão há a falta, a incompreensão frente às dificuldades da suficiência e do gosto consciente arrebentando lá dentro como quem tem a composição mais letal: é isso de descrever como o fantasma quase parasitário que se aloja naquele espaço líquido e de pastos que se apropria dos componentes como o senhor de carne, ossos e outros líquidos.

Mas bem cá entre nós, existe o irremediável medo do outro ir embora e se escafeder montado na carruagem que serve aos contos que dos finais trágicos. A carruagem pode se perder pelos caminhos de selva ou se fartar daquele ser que não sabe se portar diante da necessidade de vida e morte quando vem ao mesmo tempo.

As duas: bocas e mãos silenciosas e leves e dominadoras quando arrebatam o tempo que se leva dentro do corpo que agora já é o próprio outro. Queremos mesmo saber delas? Elas são dependentes, uma não existe sem a outra.

Ainda não terminei por hoje. Essa coisa mais massuda que desconheço e falo, é dela que temos a certeza. Merecemos de tudo, na vida e na morte. Não tenhamos medo do palavreado acerca das coisas que não se conhece, pois é assim que se vai conhecendo.


Que imagem mais novelesca fizeram dela, da que não se intimida nem fica perplexa diante da tara de viver. É nesse outro lado que estamos pisando agora, não sabia? Tivesse aí há mais tempo seria mais fácil de entender, penso.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

a parte e o todo de uma pessoa

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Uma súplica, uma voz quase caindo dentro de si, descendo lentamente, aterrissando suave, sem deixar sequelas que machuquem nenhum pedaço do corpo. A coisa toda é psicológica e sentida muito mais com o que denominou de espaço preenchido dentro do ser – unicamente por ela e sua descoberta secreta talvez ao fundo do espelho num dia comum e de poucas lembranças, à toa consigo e entregue para se revelar.

Ela avança e ataca, não tem medo de encarar a heroína que a salvou de muitos percalços que roubariam pedaços intactos de sua vida. Só agora descobrira que sempre fora a salvadora de seus dias e tristes noites, pois não havia mais ninguém além da sua presença desconcertante.

É como se ela jogasse o corpo ao pé da escada, passiva, entregue à descoberta. É assim que a vida caminha e se revela para ela – em atos de um romance-ficção -, e há quem acredite que cada façanha imprevisível carregue junto o gosto do rompimento com o próprio ser, aquela espécie de pecado que mais eleva do que condena. A transgressão.

Porque, depois de certo tempo e até pouca convivência mais íntima dentro da gente, vamos conhecendo nossos gostos, lapidando-os, consumindo-os em doses cada vez maiores, deixando de lado receios e jogando para o alto os preconceitos alheios, escancarando nossa arte de pular muros inalcançáveis.

Ela se encara, a fim de sucumbir sua forma animalesca, mas jamais se envergonharia da sua natureza incansável de estar nas entranhas inconcebíveis de uma segunda pessoa criada dentro dela, ao passo ela consegue ser personagem de si e se reinventar a cada ato vivido. É na força da arquitetura descomunal que ela se vai quando os passos já estão quase gastos.

Falo para ela da imersão, da performance do corpo unido à arte e da salvação. Pode ser que seja uma salvação tardia e chegue por outro caminho que vai além do que se pode estar vivo. Assim ela se persegue sem nenhuma garantia do encontro. Busca, procura, perscruta, remói seus paradigmas sem bases sólidas. Tudo é a impressão crua das suas expressões diabólicas do fim, do real, do que se tornou.

Ela decide morrer, cair aos poucos diante do seu corpo imóvel, transformar sua sensação profunda em algo sentido verdadeiramente na pele, o arfar da respiração, o sangue correndo veloz nas veias pulsantes, talvez assim tudo faça mais sentido do que suas meras aparências.

Viver e morrer se fundem na completude e complexidade. Que mais pode ser além de se deixar morrer, ou ir além de si e se deixar muito mais viver e se descobrir no outro? O outro que já espera com um mundo nas mãos, à beira do mundo.

Ao fim da experiência, quem a salvará da sua eterna fonte do verbo transgredir? Ela sabe que não há um fim, uma paragem, uma fonte qualquer que sinalize o caminho, a trilha percorrida, por isso, ela sabe também, melhor que muitos dos seus amantes que romperam tão profundamente os laços por se entenderem demais – o entendimento que levava à culpa e à eterna vontade de partir para os outros – que não existem voltas ou meios termos, o que se necessita frente ao rosto incompleto é partir, fazer a grande viagem libertadora. Haveria o fim da experiência? Não o fim propriamente dito, porque nada se nomeia até aqui.

Não diria quem ela é, nada de revelar sua identidade revolta e ao mesmo tempo passiva. Ela é parte e sabe ser o todo de uma pessoa, talvez com uma total independência dos sentidos. Ela sabe como flutuar diante das adversidades, tem veia livre e pensamentos surreais que se ajustam à realidade - abusa do seu poder de viver e trata a vida como algo que caiu do céu direto para suas mãos.


Ela não tem nome próprio porque impossível nomear alguém tão desmedida. Quem sabe algum dia eu perca a vergonha e seja como ela, completamente despida de mim.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

um instante de perplexidade

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Uma névoa branca, ora mesclada de tons roxos e azuis esmaecidos ao fundo da pele. Quase sem palavras para tocar o que digo. Não é mais o que quero, é o que pretendo fazer do que me aparece sem intenções de possessão sobre meu instinto completo de saber quem sou: um punhado de mutações imprevisíveis.

Quando pensei no processo criativo da névoa branca - no que poderia se tornar um ato do tranquilo insano pensamento – provoquei minha capacidade quase desconhecida de transformar seres e coisas no reverso do que se é ou do que poderia ter sido, ou ainda no que não pode adquirir vida própria por pura insatisfação dos sentidos.

Como é essa coisa estranha dos laços, das memórias, das ligações que nos une sem preparativos e nos prende até o último instante de vida, mesmo sabendo que não fazemos mais parte, por alguns instantes, desse mundo que deixamos para trás. À revelia? Ausentes? Perplexos e atônitos diante de nós mesmos.

É esse todo que ao mesmo tempo é uma parte de nós, e nem sempre aprovamos a companhia para seguir àquela espécie estranha de névoa branca. Em troca, vamos fingindo e imaginando que não somos mais, que fomos esquecidos em algum momento desagradável do percurso. Totalmente enganados, da mesma forma que se larga um livro por pura decepção, quando não atende aos nossos olhos ávidos pela descoberta.

Do desconhecido? Falo do que podemos e temos liberdade para nomear como quisermos, a nosso próprio gosto. Não é por ele que seguimos a vida inteira? A surpresa, o ato, as cenas, a admiração, o susto, a ansiedade, a perplexidade.

O que nos une é ao mesmo tempo desejo e necessidade; e o que impera é a busca sem pudor, porque tudo vale a nossa vida.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

queria ganhar a compreensão do mundo

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Se eu ainda fosse criança e me perguntassem o que eu gostaria de ganhar hoje diria que o que mais desejo e quero ganhar hoje é a compreensão do mundo.

Não saberia, com certeza, que compreensão seria essa que pedi, seria somente a compreensão de alguma coisa que me inquieta. Essa mesma coisa por quem me debato todos os dias para pegá-la de surpresa como um mosquito que zune ao canto do meu olho, quase entrando no mundo paralelo dos meus ouvidos e que me incomoda terrivelmente. Canta, resmunga, fala o que não posso entender. É sua linguagem que não se encontra com a minha e aí não tem jeito porque não há o entendimento entre os dois, o mosquitinho e eu. Serei entendida, ou será impossível juntar o que vou dizer ao mundo?
   
Tenho minha imensidão criança e adulta ao mesmo tempo, e às vezes me afogo diante da devastação das duas quando trazem coisas que vivencio pela primeira vez. Ela, essa criança hospedada, costuma pegar meus braços ainda ingênuos e sai juntando todos aqueles brinquedos espalhados pelo meu tempo, porque ela sabe que eles ainda são tão vivos que encantam minhas histórias e vestem meus personagens.

Sei que você que está lendo agora acabou de se lembrar de um dos seus personagens, que criou justamente para juntar um pouco desse sentido e dessa compreensão do que está além do que podemos ver. Porque se existem mais coisas que ultrapassam nossas realidades famintas de vidas, essa dimensão mágica podemos criar estendendo nossa curiosidade infantil para além da maturidade que arrebata a graça de todos esses sonhos e deseja transformá-la em personagem feito de pedra branca com olhos de gelo bem transparente.

É bom ser adulto, mas ainda há quem adoraria voltar ao tempo de criança, e confesso que algumas vezes vou lá dentro desses sonhos embora hoje prefira esse estado adulto decorado com o material original daquele tempo líquido de encantamento e empolgação pelas cores do mundo que dá roupas novas aos dias que criamos.

Todos os nossos personagens podem sobreviver. A fórmula da vida eterna deles está em nossas mentes. Podemos deixá-los vivos, seremos seus amigos, irmãos, heróis, rivais, amantes, seus pais criadores. Teremos o conto do “e assim foram felizes para sempre” sempre dentro das nossas mãos carregadas de tintas. São essas as crianças que não podem morrer e não seguem a lógica compromissada do mundo bruto e real, porque são os imortais que criam a conexão viva das horas.


Agora, vem uma pergunta muito tênue e movediça e circular: aonde estão nossas crianças reais e interiores que deixamos em algum lugar, e só agora lembramos delas com a angústia e o medo que movimentam nossas almas carentes de sonhos e alguma segurança? Minhas crianças estão aqui ao meu lado, mas também andando pelo mundo, na Turquia, em Israel, no Afeganistão, Egito, Japão, Índia, Transilvânia, Sibéria e bem ali, quase na fronteira do Butão com seu índice de felicidade às alturas.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

outra forma de contato


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Quantas vezes o silêncio é necessário ao dia não sabemos, mas gostaríamos de ter um alerta bem no momento que antecede uma derrapada brusca – daquelas que o só o silêncio é mestre em resolver. Quando nos deparamos com inverdades que não podemos forçar a barra. Silêncio.

Muito mais solicitam o nosso silêncio do que percebemos. É essa capacidade de silenciar que tantas vezes se torna nosso maior presente do dia, e com ele vamos moldando uma casa clara, limpa e de tons mais alegres. Falo do silêncio inteligente, quando é utilizado para acalmar os ânimos e evitar confusões que desgastam o que temos de mais precioso em nossas mãos: nosso contato humano e a comunicação com o outro.

O silêncio, nas muitas ocasiões em que estamos à beira do nosso abismo interior ou exterior é nossa reflexão mais real, o fluxo coerente das nossas palavras que se guardam para o momento certo, reformulando-se, adaptando-se, seguindo-nos a passos firmes, mostrando-nos que nem sempre a palavra dita é a melhor opção para se provar algo. Espera, calma, olha o silêncio.

Há muitas fórmulas bem treinadas e estimuladas em livros de autoajuda, até mesmo alguns romances consagrados que trazem roupagens, através de personagens e roteiros que ensinam a arte de silenciar para o próprio bem. Não existem fórmulas prontas - existe a experiência, casos, acasos, histórias que se repetem e assim se tornam as melhores fontes para consulta pessoal. Vemos tantas vezes como as nossas crônicas que nos ajudam a viver mais silenciosos e prestando mais atenção em outras formas de linguagens que estão por aí.

É no silêncio oportuno que vivenciamos nossa extrema capacidade de entrega a uma solidão única e diferenciada: a de estarmos completamente sós e absorvidos dentro de nós por uma presença às vezes desconhecida, mas prestes ao início de uma compreensão; é como ser iniciado numa sociedade secreta, onde o iniciado vai tateando pântanos e personagens nem sempre confiáveis, mas sobretudo vai se adaptando, caminhando e estendendo os olhos ao que está à frente para ser descoberto.

Há maneira mais livre de se conhecer, sem passar pelo silêncio que nos revela o que de mais vivo levamos no corpo e na alma? Mas, para conhecer o que se é em profundidade depende muito mais do ato de expansão de si, de onde se pode chegar pelo caminho mais claro.

Essa falta de sons que parece mais profunda do que podemos imaginar exige sermos maior do que o silêncio vazio que muitas vezes nos persegue por puro orgulho, lembrando também o paradoxo de que é preciso silenciar diante de si várias vezes ao dia. E quando já for insuportável calar, a fala sempre virá para nos tirar do conforto do silêncio.

terça-feira, 12 de abril de 2016

existe mais que o avesso

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Flutuante na realidade. Não a que gostaria, mas a que está imersa em meu corpo todo. De alguns fatos, não acreditaria na existência não fosse o atrevimento da coisa vindo descaradamente e tomando os sentidos. É assim, uma manifestação intrusa.

Sabe uma possessão? Tá bom, já viu algum filme de terror em que um espírito revoltado vem e se apossa de uma mocinha tão indefesa e educada, mas de princípios indescritíveis? Talvez existe o avesso essa seja eu: pensando ser tão boa, educada, vívida, generosa. Mas, um ser complicado, inconstante, complexo, cheio de outras sutilezas incompreendidas, às vezes, intrusas em meu corpo como o espírito que falei há pouco. A possessão de mim e em mim.

Tem lógica: O que lhe toma o tempo todo? Eis a pergunta fria, grossa, com ar de inocência desmedida; ridícula; dolorida. Escrever, pensar criar? Tudo isso leva tempo e toma um tempo precioso demais para ser medido ou direcionado para o inútil que necessita ser vivido. Se for assim, hesito, latejo, não desejo, nem quero por ora. Prefiro outros meios que me fazem uma pessoa mais viva, sentindo a carne, o meio e o osso que dá o suporte para um corpo suspenso e íntegro para suportar o desmedido, o sem noção.

Mas eu tenho um tempo, uníssono, só meu. Intocável, inabalável, quieto e fatigado. Um tempo em reboliço que algumas vezes não entendo, porque não está aqui mesmo para ser entendido, está aqui para existir independente do que espero dele. É quase uma pessoa, quando ouso pensar o que seu poder faz de mim. Um indivíduo independente e sem medo de ninguém.

Existir está incrustado entre o tempo, quem está lá e o que fazer do que se tem. Tarefa difícil quando se trata de expor o humano em meio ao concreto das ruas, porque não podemos colocar as abstrações no centro de tudo, que ganharia o nome popular de loucura. E como seria esse mundo tão emaranhado de certezas se fôssemos todos loucos, vivendo de fantasias e diálogos desconexos? Talvez nossa existência tivesse mais alguns sentidos e pudéssemos criar mundos com maior liberdade.

Criar mundos? E quem deseja isso?

Liberdade? E quem ousa viver em liberdade?


Só temos a resposta dentro da gente.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

o sentido de dentro

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Sabemos quando é necessário parar um pouco, ou dar um freio brusco em algo que fazemos por gosto quando essa coisa começa a nos mover numa espécie de desorientação.

Uma pausa. Um passeio. Uma viagem. Alguns dias, meses ou anos distantes desse eu tão conhecido, mas sempre tão inacabável, e que está em total transformação. Mutável, eternamente mutável.

Instintivamente – e é muito mais complicado entender-se nesses dias movidos sobretudo pelo movimento inabalável da existência – algo perpassa delicadamente a cortina sensível que resiste. Entender, compreender, perceber mais que o jogo concreto das aparências.

Por que tudo, tão de repente, passa a ter um significado ambíguo, contestador, como se de fato estivesse ali tentando mostrar o outro lado da sua própria vida? Então, é esse o sentido?

A busca é a ultrapassagem imprevisível de si, sem ninguém que dite a cartilha teórica de como se vive e como deve ser. Não há nenhuma experiência escrita ou relato de alguém que tenha vivido da mesma maneira. O que há é o tempo veloz e o ser palpável que vive.

Talvez se necessite muito mais da descoberta, não por observação das muitas histórias triviais que aparecem diariamente, mas pela pura e total vivência de dentro do corpo, da mente, das explosivas e sutis sensações – imperceptíveis até, quando convidativas e provocantes.

E é sempre diante da gente que permanecemos intocáveis pela vasta capacidade do mundo nos transpor para algo que já existe.

E não é que enfim me dou conta que eu necessito de tudo aquilo que deixei em estado latente? Preciso e quero só para mim, mas de outra forma, por outros meios, outras percepções e sentidos que ultrapassassem palavras e sentimentos já tão desgastados: o fluxo da consciência – andando, tateando, fluindo, sendo em cada exato momento.

Deixo-o correr agora, mais livre e independente, sem início, meio e fim. Já estamos exaustos de ficções previsíveis, como se não existisse a alma do mundo dentro de cada um.                                                           

domingo, 3 de abril de 2016

compreensão depois do caos

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A morte. Relação de quase medo, surda, muda. Relâmpago rasgando o chão. Depois, a calma aparente se esgotando em cansaço novo. Hoje me veio a palavra do dia, e é dela que não preciso correr ou me esconder para escapar.
Descendo a rua, intacta, por dois ou mais um quarteirão até chegar ao café mais próximo da esquina; cheiro morno passando pela narina congestionada de frio e alergia crônica. Vai leve, criando atos e pensando em como se afastar deste esforço contínuo de entender o que nem sabe falar.
Uma fatalidade e uma grande vergonha; receio de chegar e não saber do lugar. Aonde? Alguém aí? Ou já estou sozinha, eu na infinita estrada de um mundo solitário? Ela olha o medo que vem chegando com um arrepio forte na espinha alongada e espalhada naquele lugar novo e rústico para uma estreante.
Não que seja o caos. Ou já é. Porque para falar do caos é necessário um silêncio agudo e a fragmentação do ser – quebrando, estalando, tilintando como vidro esbagaçado num chão branco quase transparente. O entendimento das partes novas e gastas. Quem sabe há a junção destes fragmentos bem miudinhos que agora formam a nova coisa dentro e fora da gente – para quem se desfragmentou – para falar da vida que vem ostentando o grito corpulento e quente de um recém-nascido.
Juntar o que está fora e trazer mais para dentro, para o centro do mundo. "Dai-me a força para entender essa compreensão necessária, intensa e tempestiva que é esparsa e se enraíza dentro do meu corpo..." – essa é a minha prece, se é que há o merecimento dessa compaixão e perdão. É que ouço tão pouco, sou omissa, rebelde, quase dona de mim. Quase, quase tantas coisas, e o meio-termo não me convém e me mata. É início e fim.
É que minha relação com a morte é de um fascínio tremendo. Não tenho medos. Miro um feixe que se estende desde o dia em que nasci e me eleva até agora, ao alto, ao alto... É a atração de dois seres que acenam e se chamam com devoção e paixão; dividem uma intimidade intocável. É a explosão dos atos.
Espera, é a implosão. Falo do momento, da exatidão, da ruptura. Sabe o segundo exato da passagem? É nisto que me detenho, sem retirar ou acrescentar nada. O que está próximo e distante e agora se une ao mesmo ponto infinito: ficar e partir.
A partir de uma palavra surge o que me agrava e me expele ao mundo.



sexta-feira, 25 de março de 2016

uma deles

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Tinha que pegar esses loucos que se dizem doidos pela redenção sublimada do pensamento. Levar para longe o estado puro do que se é.
Dá em nada.
Deviam entrar como demônios empolgados nos labirintos vazios e estafantes das suas casas-mentes que criam vozes de sentidos e rupturas, e ouvem com paixão desenfreada a coisa nua e tão crua comendo a própria pele.
Isso é o que tinham que fazer. Levar todos eles para seus mundinhos de extensões vastas e horizontes livres.
Iria com todos eles, com todos esses monstrinhos de risos crueis. Também sou uma amante da crueldade do mundo que, ao matar o ser tão vivo, devolve o estalo de vida para a criação de universos paralelos superiores ao pé do mundo normal e apagado que se dá o valor equivocado de uma existência linear que, de tão retíssima, não consegue enxergar outra luz que não seja o passo na rua iluminada de todos os dias.
E as sombras, as labaredas, o vento seco cortando o cinza do tempo, a fina teia de água invadindo o ar? São coisas dos loucos. Tudo.
Ir lá, grudada e trancafiada com eles. Para a ilha afastada do tempo. Viver, respirar, sonhar dentro dela, distante da terra racional tão firme. Fazer fogueiras ao anoitecer, me aquecer perto de um arbusto, olhar o céu e ter a certeza da incompreensão do universo e da organização das galáxias. Louco, isso. E ser altiva por toda essa organização íntima. Anacrônica e sincronizada, o paradoxo dos sentidos em mim.
Criá-los e dar-lhes formas inimagináveis como minha profunda organização para a companhia dos personagens. Ampliá-los em vidas múltiplas. Mas deixo-os livres o quanto desejarem, não serão jamais meus prisioneiros. Como ousaria ser prisioneira de mim? Foge o sentido. Sabemos ser livres e esconder as chaves dessa liberdade tão cara.
Quero o sopro de vida de todos eles roçando em mim e me fazendo também algo novo e inatingível. Passando pela garganta e invadindo as narinas semicerradas, debruçando-se sobre minha pele nova formando novas rugas lacônicas frente ao medo dessa nova existência. A existência nova embotada de sangue vivo pulsando forte.
Também sou uma dessas loucas que não só enxergam mas grudam na pele a força de coisas estranhas e alheias à realidade que chamam. Ou seria a irrealidade que dizem?
Me deixe ir junto com todos eles, já provei quem sou, uma deles.



quinta-feira, 24 de março de 2016

deixa saber quem sou

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Sento ao fundo do quarto, já pousando a mão aflita na escrivaninha quase abandonada, empoeirada e refletindo o último ato. Que criação virá dessa luz meio estridente que vai rumando dentro de mim como um cais abandonado?

Aguardo o que me vem, completamente absorvida por essa luz que adquire a cor amarelada que tanto gosto, no exato momento de uma inquietação dolorida - o que se pode chamar de um furor antiquado e em horas impróprias. Não se assemelha a nada dessa época.

Tempo meu, uníssono e desconhecido. Passam os minutos pausadamente, sem pressa. É hora de criar a ficção do abandono e o mergulho na solidão que recolhe os olhos marejados da realidade sem graça.

Tudo pronto, coisas tão irresponsavelmente gastas, farsantes, de uma organização selvagem e medíocre dentro do meu corpo.  Insanas e originais. Engatinhando como um filhote independente dos irmãos - ele, que não soubera desde cedo o pesar do outro em seus ombros.

Decidida a ser livre, como ele, sem ainda ser.  Quisera.

Não sou, nem desejo tamanha organização de pecados como a expulsa do paraíso, ali onde se falou de um suculento fruto proibido que fizera da nossa causa uma luta miserável. Não quero morrer por esse fruto, quero dele o sabor, o toque, a posse.

Da organização do mundo é o que falo. Esse novelo de cores misturadas, confundindo o pecado com o perdão; o que não se ajuíza; desmonta cabeças e as junta num encontro de realidades.

O infinito ousando se entender.

Gritos espraiam soltos no ar. Compreendem tudo com agudeza de sentimento esparso e findo, de quem já morreu ou esboçou um sorriso pela última vez na vida.

É o recomeço! - Gritam com ânsia de vida.  Estão perdidos na marginal e compreendem o incompreendido por um dia. Almas emaranhadas no sentido da coisa rarefeita.

Ouvem, lá de baixo, o grito do absurdo que solto aqui de cima como fogos de réveillon: coloridos do inusitado. É a fornalha de dentro dos ossos e dos suspiros.

O intervalo que se cria no canto do olho.  

Meus deuses, o que é o grau dessa loucura? Peço socorro. A socorrida.

Dá-me, dessas mãos escorregadias, o minúsculo entendimento de mim, do que sou, por quem vivo, para ser mais exata diante de ti.  Desmorono com tanta facilidade por conta desse tal entendimento que busco.

Rogo.

O que pensara gora, que já me vejo lúcida e com uma luz que ataca profundamente meus olhos de tons quentes e marrons? Serei cega para todo o resto, mas ainda consigo chegar a alguém que também se esbarra no não entendimento de toda a coisa pulando tão viva.

Ataca os desprevenidos e desajustados para o cotidiano.

Um rolo de filme anda e se forma para o legado interminável dos atos. Ė o tempo inescapável e irrecusável que urge. A sentinela da ficção foi escrita. Eis a crueldade de se guardar o inescrupuloso instante na palma da mão e movediço na cabeça.

A engrenagem do poema? Uma noveleta? A ficção! Que se faça agora, mas diga o necessário entre os dentes, condensando o ar morno que se respira pesadamente.

Essa novela depois de estruturada de vida de gente, com meios, inícios e fins ou já iniciada de um fim será a vida caindo da ponte dos desejos? Que se ajustem aos meus ossos então.

Quero saltar do alto, no colapso de uma realidade entendida.

Embuste! Frio e torto continua meu lábio trêmulo.  Escárnio e malícia na cara são suficientes para me acalmar.  Estou tão viva e ainda não morri por nada. Tudo tão estampado em minha pele viva, como tatuagens finalizadas agora.

Venho de uma desordem tempestiva.  Ouça.  Grunhidos pesados e altos saem desse ser. Gemidos para todos e por todos. Perdição? Pudera.  Não.  O encontro mais impossível e real.  

Dois mundos. O escrito e o não escrito. A ficção e o tato.

O que morre é a sensação, o que deixa de ser. O eu desassistido e sem proteção.

Eles - todos eles -, precisam saber que existo para essa necessidade. Tenho tanta urgência como a tinta fresca que se borra em busca da forma disfarçada e esfumaçada entrecortando o ambiente novo. Sou tão nova e inventada agora como essa pintura. Mas me vejo borrada num recorte de tempo em que existo e não sei bem ao certo me dar um nome e dizer quem sou, quando me perguntarem algo com interesse em alguma descoberta de vida íntima.

Ah, ele quer saber, insiste que eu o diga, que da minha boca trêmula saiam palavras desajustadas e faladas diretamente de mim, pronunciadas, verborrágicas. Ditas.

Tão desprotegida estou. Envergonhada de tudo o que me assemelha. Entortilhada.

Deixa ele saber quem sou. É melhor assim para os dois lados. Há o temor sentido e o ruído criado.  Constantes. Aéreos no espaço-tempo.

O criador de mim e de todas as outras coisas.  Assim permaneço no espaço de quem sou.