segunda-feira, 23 de maio de 2016

difícil saber quem se é

imagem via pixabay


Se existe algum mistério no mundo, para mim, o próprio mistério sou Eu. Como pode alguém sentir céus e infernos dentro de si? Aí está a minha maior confissão.

Mas tenho mais a confessar do que imagino, embora ainda não saiba relatar todos os meus pecados de uma só vez. Necessito de pausas. E de uma coisa tenho consciência: que eles - todos os meus pecados - estão alvoroçados dentro da minha alma e vivem também como eu.

Ainda tenho outra confissão maior que está aqui comigo: não quero apenas passar pela vida, sem brilho, sem entusiasmo. Como é difícil fazer algo fora dessa prisão. Como sair? Até bem pouco tempo eu não sabia o que significava a grande prisão. Só aos poucos, a visão se tornava cada vez mais líquida. A grande prisão de que falo é não poder sair da vida para olhar ao redor o que nos move com força.

E como se sai da vida em direção ao infinito? Isso eu nunca soube responder, aliás, nunca tive resposta alguma. Mas há pessoas que parecem ter a resposta. E por que elas não me diriam? Por que é sempre muito difícil revelar segredos impossíveis.

Às vezes pensamos que nossas histórias são únicas, impares como o firmamento. Mas, não. Eu que não tenho mais esse engano. A verdade é que todas as pessoas sofrem, se inquietam, enlouquecem todos os dias. Estão aqui para tudo isso. É uma percepção que me atravessa faz provar dessa suprema verdade.

É difícil saber quem se é, ter essa extrema e peculiar noção de si, do ser que reveste o corpo. Clarice Lispector não sabia quem ela era de verdade, acredito mesmo que nunca teve uma visão tão apurada das verdades sobre si. Eu também não, e sou tão diferente dela, e ao mesmo tempo me deixo confundir com sua percepção cortante de si mesma.


Só não quero nem desejo provar do que sempre compreendo da vida. Quero ser como a areia-poeira, assim, um corpo-poeira, para me desfazer de qualquer coisa que agrida meu espírito. Quero viver, isto sim.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

tocar o que se diz humano

imagem via pixabay


Poderíamos falar hoje do ciclo imerso, afundado e profundo dentro do ser aparentemente resolvido. Como se esperasse a próxima fase do seu ato de aceitar sem se convencer que do outro lado existe outro ser como ele, que toca o lugar inalcançável da pele. Não, não é disso, de pele nua e crua que falamos, você e eu. É de algo que ultrapassa os poros, sabemos, só que nem sempre sentimos o impulso do gesto que todas às vezes se move tão lentamente.

Estamos agora todos equivocados, será? Confundimos toda essa coisa com o já conhecido que domina e cedemos aos caprichos que temos nas mãos, feitos de doses aleatórias do humano.

É preciso tocar o que se diz humano, senão há a falta, a incompreensão frente às dificuldades da suficiência e do gosto consciente arrebentando lá dentro como quem tem a composição mais letal: é isso de descrever como o fantasma quase parasitário que se aloja naquele espaço líquido e de pastos que se apropria dos componentes como o senhor de carne, ossos e outros líquidos.

Mas bem cá entre nós, existe o irremediável medo do outro ir embora e se escafeder montado na carruagem que serve aos contos que dos finais trágicos. A carruagem pode se perder pelos caminhos de selva ou se fartar daquele ser que não sabe se portar diante da necessidade de vida e morte quando vem ao mesmo tempo.

As duas: bocas e mãos silenciosas e leves e dominadoras quando arrebatam o tempo que se leva dentro do corpo que agora já é o próprio outro. Queremos mesmo saber delas? Elas são dependentes, uma não existe sem a outra.

Ainda não terminei por hoje. Essa coisa mais massuda que desconheço e falo, é dela que temos a certeza. Merecemos de tudo, na vida e na morte. Não tenhamos medo do palavreado acerca das coisas que não se conhece, pois é assim que se vai conhecendo.


Que imagem mais novelesca fizeram dela, da que não se intimida nem fica perplexa diante da tara de viver. É nesse outro lado que estamos pisando agora, não sabia? Tivesse aí há mais tempo seria mais fácil de entender, penso.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

a parte e o todo de uma pessoa

imagem via pixabay


Uma súplica, uma voz quase caindo dentro de si, descendo lentamente, aterrissando suave, sem deixar sequelas que machuquem nenhum pedaço do corpo. A coisa toda é psicológica e sentida muito mais com o que denominou de espaço preenchido dentro do ser – unicamente por ela e sua descoberta secreta talvez ao fundo do espelho num dia comum e de poucas lembranças, à toa consigo e entregue para se revelar.

Ela avança e ataca, não tem medo de encarar a heroína que a salvou de muitos percalços que roubariam pedaços intactos de sua vida. Só agora descobrira que sempre fora a salvadora de seus dias e tristes noites, pois não havia mais ninguém além da sua presença desconcertante.

É como se ela jogasse o corpo ao pé da escada, passiva, entregue à descoberta. É assim que a vida caminha e se revela para ela – em atos de um romance-ficção -, e há quem acredite que cada façanha imprevisível carregue junto o gosto do rompimento com o próprio ser, aquela espécie de pecado que mais eleva do que condena. A transgressão.

Porque, depois de certo tempo e até pouca convivência mais íntima dentro da gente, vamos conhecendo nossos gostos, lapidando-os, consumindo-os em doses cada vez maiores, deixando de lado receios e jogando para o alto os preconceitos alheios, escancarando nossa arte de pular muros inalcançáveis.

Ela se encara, a fim de sucumbir sua forma animalesca, mas jamais se envergonharia da sua natureza incansável de estar nas entranhas inconcebíveis de uma segunda pessoa criada dentro dela, ao passo ela consegue ser personagem de si e se reinventar a cada ato vivido. É na força da arquitetura descomunal que ela se vai quando os passos já estão quase gastos.

Falo para ela da imersão, da performance do corpo unido à arte e da salvação. Pode ser que seja uma salvação tardia e chegue por outro caminho que vai além do que se pode estar vivo. Assim ela se persegue sem nenhuma garantia do encontro. Busca, procura, perscruta, remói seus paradigmas sem bases sólidas. Tudo é a impressão crua das suas expressões diabólicas do fim, do real, do que se tornou.

Ela decide morrer, cair aos poucos diante do seu corpo imóvel, transformar sua sensação profunda em algo sentido verdadeiramente na pele, o arfar da respiração, o sangue correndo veloz nas veias pulsantes, talvez assim tudo faça mais sentido do que suas meras aparências.

Viver e morrer se fundem na completude e complexidade. Que mais pode ser além de se deixar morrer, ou ir além de si e se deixar muito mais viver e se descobrir no outro? O outro que já espera com um mundo nas mãos, à beira do mundo.

Ao fim da experiência, quem a salvará da sua eterna fonte do verbo transgredir? Ela sabe que não há um fim, uma paragem, uma fonte qualquer que sinalize o caminho, a trilha percorrida, por isso, ela sabe também, melhor que muitos dos seus amantes que romperam tão profundamente os laços por se entenderem demais – o entendimento que levava à culpa e à eterna vontade de partir para os outros – que não existem voltas ou meios termos, o que se necessita frente ao rosto incompleto é partir, fazer a grande viagem libertadora. Haveria o fim da experiência? Não o fim propriamente dito, porque nada se nomeia até aqui.

Não diria quem ela é, nada de revelar sua identidade revolta e ao mesmo tempo passiva. Ela é parte e sabe ser o todo de uma pessoa, talvez com uma total independência dos sentidos. Ela sabe como flutuar diante das adversidades, tem veia livre e pensamentos surreais que se ajustam à realidade - abusa do seu poder de viver e trata a vida como algo que caiu do céu direto para suas mãos.


Ela não tem nome próprio porque impossível nomear alguém tão desmedida. Quem sabe algum dia eu perca a vergonha e seja como ela, completamente despida de mim.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

um instante de perplexidade

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Uma névoa branca, ora mesclada de tons roxos e azuis esmaecidos ao fundo da pele. Quase sem palavras para tocar o que digo. Não é mais o que quero, é o que pretendo fazer do que me aparece sem intenções de possessão sobre meu instinto completo de saber quem sou: um punhado de mutações imprevisíveis.

Quando pensei no processo criativo da névoa branca - no que poderia se tornar um ato do tranquilo insano pensamento – provoquei minha capacidade quase desconhecida de transformar seres e coisas no reverso do que se é ou do que poderia ter sido, ou ainda no que não pode adquirir vida própria por pura insatisfação dos sentidos.

Como é essa coisa estranha dos laços, das memórias, das ligações que nos une sem preparativos e nos prende até o último instante de vida, mesmo sabendo que não fazemos mais parte, por alguns instantes, desse mundo que deixamos para trás. À revelia? Ausentes? Perplexos e atônitos diante de nós mesmos.

É esse todo que ao mesmo tempo é uma parte de nós, e nem sempre aprovamos a companhia para seguir àquela espécie estranha de névoa branca. Em troca, vamos fingindo e imaginando que não somos mais, que fomos esquecidos em algum momento desagradável do percurso. Totalmente enganados, da mesma forma que se larga um livro por pura decepção, quando não atende aos nossos olhos ávidos pela descoberta.

Do desconhecido? Falo do que podemos e temos liberdade para nomear como quisermos, a nosso próprio gosto. Não é por ele que seguimos a vida inteira? A surpresa, o ato, as cenas, a admiração, o susto, a ansiedade, a perplexidade.

O que nos une é ao mesmo tempo desejo e necessidade; e o que impera é a busca sem pudor, porque tudo vale a nossa vida.