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Uma
súplica, uma voz quase caindo dentro de si, descendo lentamente, aterrissando
suave, sem deixar sequelas que machuquem nenhum pedaço do corpo. A coisa toda é
psicológica e sentida muito mais com o que denominou de espaço preenchido
dentro do ser – unicamente por ela e sua descoberta secreta talvez ao fundo do
espelho num dia comum e de poucas lembranças, à toa consigo e entregue para se
revelar.
Ela
avança e ataca, não tem medo de encarar a heroína que a salvou de muitos
percalços que roubariam pedaços intactos de sua vida. Só agora descobrira que
sempre fora a salvadora de seus dias e tristes noites, pois não havia mais
ninguém além da sua presença desconcertante.
É como se ela jogasse o corpo ao pé da escada,
passiva, entregue à descoberta. É assim que a vida caminha e se revela para ela
– em atos de um romance-ficção -, e há quem acredite que cada façanha
imprevisível carregue junto o gosto do rompimento com o próprio ser, aquela
espécie de pecado que mais eleva do que condena. A transgressão.
Porque, depois de certo tempo e até pouca
convivência mais íntima dentro da gente, vamos conhecendo nossos gostos,
lapidando-os, consumindo-os em doses cada vez maiores, deixando de lado receios
e jogando para o alto os preconceitos alheios, escancarando nossa arte de pular
muros inalcançáveis.
Ela se encara, a fim de sucumbir sua forma
animalesca, mas jamais se envergonharia da sua natureza incansável de estar nas
entranhas inconcebíveis de uma segunda pessoa criada dentro dela, ao passo ela
consegue ser personagem de si e se reinventar a cada ato vivido. É na força da
arquitetura descomunal que ela se vai quando os passos já estão quase gastos.
Falo para ela da imersão, da performance do
corpo unido à arte e da salvação. Pode ser que seja uma salvação tardia e
chegue por outro caminho que vai além do que se pode estar vivo. Assim ela se
persegue sem nenhuma garantia do encontro. Busca, procura, perscruta, remói
seus paradigmas sem bases sólidas. Tudo é a impressão crua das suas expressões
diabólicas do fim, do real, do que se tornou.
Ela decide morrer, cair aos poucos diante do
seu corpo imóvel, transformar sua sensação profunda em algo sentido
verdadeiramente na pele, o arfar da respiração, o sangue correndo veloz nas
veias pulsantes, talvez assim tudo faça mais sentido do que suas meras
aparências.
Viver e morrer se fundem na completude e complexidade.
Que mais pode ser além de se deixar morrer, ou ir além de si e se deixar muito
mais viver e se descobrir no outro? O outro que já espera com um mundo nas
mãos, à beira do mundo.
Ao fim da experiência, quem a salvará da sua
eterna fonte do verbo transgredir? Ela sabe que não há um fim, uma paragem, uma
fonte qualquer que sinalize o caminho, a trilha percorrida, por isso, ela sabe
também, melhor que muitos dos seus amantes que romperam tão profundamente os
laços por se entenderem demais – o entendimento que levava à culpa e à eterna
vontade de partir para os outros – que não existem voltas ou meios termos, o
que se necessita frente ao rosto incompleto é partir, fazer a grande viagem
libertadora. Haveria o fim da experiência? Não o fim propriamente dito, porque
nada se nomeia até aqui.
Não diria quem ela é, nada de revelar sua
identidade revolta e ao mesmo tempo passiva. Ela é parte e sabe ser o todo de
uma pessoa, talvez com uma total independência dos sentidos. Ela sabe como
flutuar diante das adversidades, tem veia livre e pensamentos surreais que se
ajustam à realidade - abusa do seu poder de viver e trata a vida como algo que
caiu do céu direto para suas mãos.
Ela não tem nome próprio porque impossível
nomear alguém tão desmedida. Quem sabe algum dia eu perca a vergonha e seja
como ela, completamente despida de mim.
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