sexta-feira, 13 de maio de 2016

a parte e o todo de uma pessoa

imagem via pixabay


Uma súplica, uma voz quase caindo dentro de si, descendo lentamente, aterrissando suave, sem deixar sequelas que machuquem nenhum pedaço do corpo. A coisa toda é psicológica e sentida muito mais com o que denominou de espaço preenchido dentro do ser – unicamente por ela e sua descoberta secreta talvez ao fundo do espelho num dia comum e de poucas lembranças, à toa consigo e entregue para se revelar.

Ela avança e ataca, não tem medo de encarar a heroína que a salvou de muitos percalços que roubariam pedaços intactos de sua vida. Só agora descobrira que sempre fora a salvadora de seus dias e tristes noites, pois não havia mais ninguém além da sua presença desconcertante.

É como se ela jogasse o corpo ao pé da escada, passiva, entregue à descoberta. É assim que a vida caminha e se revela para ela – em atos de um romance-ficção -, e há quem acredite que cada façanha imprevisível carregue junto o gosto do rompimento com o próprio ser, aquela espécie de pecado que mais eleva do que condena. A transgressão.

Porque, depois de certo tempo e até pouca convivência mais íntima dentro da gente, vamos conhecendo nossos gostos, lapidando-os, consumindo-os em doses cada vez maiores, deixando de lado receios e jogando para o alto os preconceitos alheios, escancarando nossa arte de pular muros inalcançáveis.

Ela se encara, a fim de sucumbir sua forma animalesca, mas jamais se envergonharia da sua natureza incansável de estar nas entranhas inconcebíveis de uma segunda pessoa criada dentro dela, ao passo ela consegue ser personagem de si e se reinventar a cada ato vivido. É na força da arquitetura descomunal que ela se vai quando os passos já estão quase gastos.

Falo para ela da imersão, da performance do corpo unido à arte e da salvação. Pode ser que seja uma salvação tardia e chegue por outro caminho que vai além do que se pode estar vivo. Assim ela se persegue sem nenhuma garantia do encontro. Busca, procura, perscruta, remói seus paradigmas sem bases sólidas. Tudo é a impressão crua das suas expressões diabólicas do fim, do real, do que se tornou.

Ela decide morrer, cair aos poucos diante do seu corpo imóvel, transformar sua sensação profunda em algo sentido verdadeiramente na pele, o arfar da respiração, o sangue correndo veloz nas veias pulsantes, talvez assim tudo faça mais sentido do que suas meras aparências.

Viver e morrer se fundem na completude e complexidade. Que mais pode ser além de se deixar morrer, ou ir além de si e se deixar muito mais viver e se descobrir no outro? O outro que já espera com um mundo nas mãos, à beira do mundo.

Ao fim da experiência, quem a salvará da sua eterna fonte do verbo transgredir? Ela sabe que não há um fim, uma paragem, uma fonte qualquer que sinalize o caminho, a trilha percorrida, por isso, ela sabe também, melhor que muitos dos seus amantes que romperam tão profundamente os laços por se entenderem demais – o entendimento que levava à culpa e à eterna vontade de partir para os outros – que não existem voltas ou meios termos, o que se necessita frente ao rosto incompleto é partir, fazer a grande viagem libertadora. Haveria o fim da experiência? Não o fim propriamente dito, porque nada se nomeia até aqui.

Não diria quem ela é, nada de revelar sua identidade revolta e ao mesmo tempo passiva. Ela é parte e sabe ser o todo de uma pessoa, talvez com uma total independência dos sentidos. Ela sabe como flutuar diante das adversidades, tem veia livre e pensamentos surreais que se ajustam à realidade - abusa do seu poder de viver e trata a vida como algo que caiu do céu direto para suas mãos.


Ela não tem nome próprio porque impossível nomear alguém tão desmedida. Quem sabe algum dia eu perca a vergonha e seja como ela, completamente despida de mim.

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