terça-feira, 28 de junho de 2016

tudo o que tenho a dizer

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É preciso enlouquecer um pouco para encontrar a entrega necessária das nossas palavras sobre o que queremos dizer ao outro. Quando elas já se encontram rendidas nas mãos, talvez fiquemos só esperando por alguém que as entendam em sua forma nua e crua quando saem voando em liberdade de dentro da gente.
Falo da necessidade exata de como gostaríamos que fossem ditas. É só lembrarmos nossa ansiedade ensaiando as frases perfeitas e o texto exato para o momento certo que aquela pessoa ficará em nossa frente, olhando fixamente dentro dos nossos olhos. Tão programadas e provocantes, não?
Temos que enlouquecer mesmo para colocar os pingos no is. Porque as verdades doloridas e absurdas estão aí e podem até nos tocar além do que podemos suportar, mas é de um tempo único e vivido de uma só vez que necessitamos para saber o que sentimos. Precisamos tantas vezes saber ao certo por que paramos, para onde vamos e o que devemos fazer a cada pausa que a vida nos obriga a fazer.
Quem não sente que tem que provar um pouco dessa loucura todos os dias, ao menos por algum instante na vida? Ter que dizer, gritar ao outro ou ao mundo o que esperneia de sentimentos dentro do corpo? Melhor ir logo ao assunto enquanto há tempo e fôlego, porque elas, as santíssimas e ao mesmo tempo endemoniadas palavras necessitam estar aonde caminha nossa loucura que se veste de impaciências, dormências, inconsciências, e algumas vezes se torna a fiel conselheira invisível tão urgente.
Agora penso que falar dessa loucura é estar mais perto do que é mais verdadeiro que se tem a dizer. Não se pode negar o que se tem dentro de si. Às vezes parece que é aleatório, vindo tão intensamente, sem saber ser dito em uma linha lógica que estrutura as ideias num ato continuo.
E se as tais respostas não vierem até nós, persistirão as interrogações querendo tomar um corpo marcado tensão do não entendimento, do não saber para que serve tudo isso que está diante de nós, em que pode ser útil e verdadeiro em seu estado mais puro. Nada das obviedades que estamos acostumados a nos equilibrar: para onde, para quê, não olhe, não pare, não toque.


segunda-feira, 20 de junho de 2016

mania de ver o outro


imagem via pixabay

Tudo manifesta nossa mania de ver o outro. Sabemos e somos bem conscientes que temos esse lado observador, perscrutador da presa fácil que se mostra sem saber a quem. Acontece em qualquer lugar, é só alguém estar lá. Mesmo que não percebam - os observados -, muitas vezes nos deixam extasiados diante de qualquer coisa que eles fazem, às vezes nos tiram do chão por um simples olhar que lançam ao acaso, são infinitas as intenções.
Já manifestei esse meu lado através da escrita. Minha mania é de longa data, nem saberia dizer ao certo, mas faz tempo que brinco com o que acontece dentro de mim - esse bendito mal da observação do outro. O outro que me cerca e prende, onde eu estiver. É que desse outro que não me canso nunca. E peco demasiado por ele, pois penso também por ele, mas não dá para viver a vida de ninguém, ainda que seja na mais pura ficção porque há sempre a volta ao lugar real.
De uns tempos para cá - também não saberia dizer quando começou essa angústia - não desejo mais escrever uma linha de um poema sequer, pois algo me esgotou nesse caleidoscópio de dores - sempre a dor do outro misturada à minha delicada atração do olhar. Vou partir para outras formas de expor o que vejo. Não deixarei de escrever jamais, mas meus poemas, só poucos saberão deles. Eles existem e ficarão guardados, pois não tenho mais necessidade de revê-los, pelo menos não agora, talvez lá no futuro.
A loucura de enxergar alguém ultrapassa qualquer experiência. Ver alguém, um desconhecido praticamente nu, mostrando tudo o que sua vida lhe dá. Às vezes eu não entendo, mas me esforço e desejo sobretudo continuar suas histórias. É sobre isso que falo: nossa forma de conquistar o mundo, como um personagem trilhando os caminhos do roteiro que alguém lhe passou, sem saber o desfecho, muito menos o final.
Pude ver, mesmo antes dessa conversa toda, que escrevo somente pela minha curiosidade que tantas vezes ultrapassa a vida do outro para ganhar uma vida própria, diferente de tudo o que existe. Se posso dar formas a muitas vidas e brinco com esse poder que me estilhaça toda, também posso esconder um pouco desse mistério da minha criação, pois acredito que nem sempre é bom mostrar tudo o que se tem, pode ser trágico demais. Prefiro esse atrevimento do olhar às escondidas, que revela sem perceber.

Por tudo isso escrevemos: para dar formas ao que existe e ao que criamos das nossas fantasias e histórias inventadas.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

não é tão difícil despertencer

imagem via pixabay


O mais difícil é fazer da vida que se leva algo que ultrapasse os dias normais, quando se tem necessidade de voar, não-estar, despertencer, desconstruir e alcançar o mais alto voo.

Contentamentos ininterruptos, gritos de completude, uma obra de arte acabada de si. Como fazer? Somos ainda tão incompletos e sobrevivemos disso tudo, deixando apenas que as ondas passem pelos nossos olhos pasmos.

Quando se persegue o estado de graça parece que a luta é maior do que se imagina, porque o encantamento está muito mais nas pequenas coisas que deixamos passar ao longo dos dias. Sim, no minúsculo grão de areia que forma grandes véus na praia ou no deserto ao fim da tarde ou perante o sol do meio dia; no canto alto dos pássaros rompendo as manhãs; no abraço caloroso do amigo que não se vê desde ontem; no sorriso de um estranho ao cruzar a rua; no aceno despido de segundas intenções; nos gestos  nobres que podemos nos apropriar com mais frequência; no que é substancialmente nosso e ainda falta descobrir.

Nas raras entrelinhas expostas dentro da gente podemos encontrar tudo o que nos faz bem e que, até certo momento na vida, entendemos que é a felicidade. Um clarão que vem para nos fazer acreditar e instigar a querer viver mais, um dia de cada vez, com direito a café da manhã, almoço, jantar e até algumas doses extras de alguma novidade. Talvez este seja o sabor que surpreende, quando não temos hora marcada, nem está descrito no cardápio com todos os detalhes.

Fala-se muito em paisagens paradisíacas, daqueles lugares que o mundo poderia acabar, e embora estivéssemos lá no momento morreríamos rindo à toa com o rosto voltado para o horizonte, sem pressa nenhuma para alguma chegada, pois os nossos pés já estariam lá, isso bastaria.

Com tudo isso podemos criar incontáveis paisagens dentro da gente, para que nossos dias também sejam lugares únicos para quem está ao nosso redor, para que sejam dias inspiradores.


São os meus dias, nossos dias criados e inventados, onde tudo o que é permitido faz todo sentido.