sexta-feira, 25 de março de 2016

uma deles

imagem via pixabay

Tinha que pegar esses loucos que se dizem doidos pela redenção sublimada do pensamento. Levar para longe o estado puro do que se é.
Dá em nada.
Deviam entrar como demônios empolgados nos labirintos vazios e estafantes das suas casas-mentes que criam vozes de sentidos e rupturas, e ouvem com paixão desenfreada a coisa nua e tão crua comendo a própria pele.
Isso é o que tinham que fazer. Levar todos eles para seus mundinhos de extensões vastas e horizontes livres.
Iria com todos eles, com todos esses monstrinhos de risos crueis. Também sou uma amante da crueldade do mundo que, ao matar o ser tão vivo, devolve o estalo de vida para a criação de universos paralelos superiores ao pé do mundo normal e apagado que se dá o valor equivocado de uma existência linear que, de tão retíssima, não consegue enxergar outra luz que não seja o passo na rua iluminada de todos os dias.
E as sombras, as labaredas, o vento seco cortando o cinza do tempo, a fina teia de água invadindo o ar? São coisas dos loucos. Tudo.
Ir lá, grudada e trancafiada com eles. Para a ilha afastada do tempo. Viver, respirar, sonhar dentro dela, distante da terra racional tão firme. Fazer fogueiras ao anoitecer, me aquecer perto de um arbusto, olhar o céu e ter a certeza da incompreensão do universo e da organização das galáxias. Louco, isso. E ser altiva por toda essa organização íntima. Anacrônica e sincronizada, o paradoxo dos sentidos em mim.
Criá-los e dar-lhes formas inimagináveis como minha profunda organização para a companhia dos personagens. Ampliá-los em vidas múltiplas. Mas deixo-os livres o quanto desejarem, não serão jamais meus prisioneiros. Como ousaria ser prisioneira de mim? Foge o sentido. Sabemos ser livres e esconder as chaves dessa liberdade tão cara.
Quero o sopro de vida de todos eles roçando em mim e me fazendo também algo novo e inatingível. Passando pela garganta e invadindo as narinas semicerradas, debruçando-se sobre minha pele nova formando novas rugas lacônicas frente ao medo dessa nova existência. A existência nova embotada de sangue vivo pulsando forte.
Também sou uma dessas loucas que não só enxergam mas grudam na pele a força de coisas estranhas e alheias à realidade que chamam. Ou seria a irrealidade que dizem?
Me deixe ir junto com todos eles, já provei quem sou, uma deles.



quinta-feira, 24 de março de 2016

deixa saber quem sou

imagem via pixabay

Sento ao fundo do quarto, já pousando a mão aflita na escrivaninha quase abandonada, empoeirada e refletindo o último ato. Que criação virá dessa luz meio estridente que vai rumando dentro de mim como um cais abandonado?

Aguardo o que me vem, completamente absorvida por essa luz que adquire a cor amarelada que tanto gosto, no exato momento de uma inquietação dolorida - o que se pode chamar de um furor antiquado e em horas impróprias. Não se assemelha a nada dessa época.

Tempo meu, uníssono e desconhecido. Passam os minutos pausadamente, sem pressa. É hora de criar a ficção do abandono e o mergulho na solidão que recolhe os olhos marejados da realidade sem graça.

Tudo pronto, coisas tão irresponsavelmente gastas, farsantes, de uma organização selvagem e medíocre dentro do meu corpo.  Insanas e originais. Engatinhando como um filhote independente dos irmãos - ele, que não soubera desde cedo o pesar do outro em seus ombros.

Decidida a ser livre, como ele, sem ainda ser.  Quisera.

Não sou, nem desejo tamanha organização de pecados como a expulsa do paraíso, ali onde se falou de um suculento fruto proibido que fizera da nossa causa uma luta miserável. Não quero morrer por esse fruto, quero dele o sabor, o toque, a posse.

Da organização do mundo é o que falo. Esse novelo de cores misturadas, confundindo o pecado com o perdão; o que não se ajuíza; desmonta cabeças e as junta num encontro de realidades.

O infinito ousando se entender.

Gritos espraiam soltos no ar. Compreendem tudo com agudeza de sentimento esparso e findo, de quem já morreu ou esboçou um sorriso pela última vez na vida.

É o recomeço! - Gritam com ânsia de vida.  Estão perdidos na marginal e compreendem o incompreendido por um dia. Almas emaranhadas no sentido da coisa rarefeita.

Ouvem, lá de baixo, o grito do absurdo que solto aqui de cima como fogos de réveillon: coloridos do inusitado. É a fornalha de dentro dos ossos e dos suspiros.

O intervalo que se cria no canto do olho.  

Meus deuses, o que é o grau dessa loucura? Peço socorro. A socorrida.

Dá-me, dessas mãos escorregadias, o minúsculo entendimento de mim, do que sou, por quem vivo, para ser mais exata diante de ti.  Desmorono com tanta facilidade por conta desse tal entendimento que busco.

Rogo.

O que pensara gora, que já me vejo lúcida e com uma luz que ataca profundamente meus olhos de tons quentes e marrons? Serei cega para todo o resto, mas ainda consigo chegar a alguém que também se esbarra no não entendimento de toda a coisa pulando tão viva.

Ataca os desprevenidos e desajustados para o cotidiano.

Um rolo de filme anda e se forma para o legado interminável dos atos. Ė o tempo inescapável e irrecusável que urge. A sentinela da ficção foi escrita. Eis a crueldade de se guardar o inescrupuloso instante na palma da mão e movediço na cabeça.

A engrenagem do poema? Uma noveleta? A ficção! Que se faça agora, mas diga o necessário entre os dentes, condensando o ar morno que se respira pesadamente.

Essa novela depois de estruturada de vida de gente, com meios, inícios e fins ou já iniciada de um fim será a vida caindo da ponte dos desejos? Que se ajustem aos meus ossos então.

Quero saltar do alto, no colapso de uma realidade entendida.

Embuste! Frio e torto continua meu lábio trêmulo.  Escárnio e malícia na cara são suficientes para me acalmar.  Estou tão viva e ainda não morri por nada. Tudo tão estampado em minha pele viva, como tatuagens finalizadas agora.

Venho de uma desordem tempestiva.  Ouça.  Grunhidos pesados e altos saem desse ser. Gemidos para todos e por todos. Perdição? Pudera.  Não.  O encontro mais impossível e real.  

Dois mundos. O escrito e o não escrito. A ficção e o tato.

O que morre é a sensação, o que deixa de ser. O eu desassistido e sem proteção.

Eles - todos eles -, precisam saber que existo para essa necessidade. Tenho tanta urgência como a tinta fresca que se borra em busca da forma disfarçada e esfumaçada entrecortando o ambiente novo. Sou tão nova e inventada agora como essa pintura. Mas me vejo borrada num recorte de tempo em que existo e não sei bem ao certo me dar um nome e dizer quem sou, quando me perguntarem algo com interesse em alguma descoberta de vida íntima.

Ah, ele quer saber, insiste que eu o diga, que da minha boca trêmula saiam palavras desajustadas e faladas diretamente de mim, pronunciadas, verborrágicas. Ditas.

Tão desprotegida estou. Envergonhada de tudo o que me assemelha. Entortilhada.

Deixa ele saber quem sou. É melhor assim para os dois lados. Há o temor sentido e o ruído criado.  Constantes. Aéreos no espaço-tempo.

O criador de mim e de todas as outras coisas.  Assim permaneço no espaço de quem sou.