segunda-feira, 25 de abril de 2016

queria ganhar a compreensão do mundo

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Se eu ainda fosse criança e me perguntassem o que eu gostaria de ganhar hoje diria que o que mais desejo e quero ganhar hoje é a compreensão do mundo.

Não saberia, com certeza, que compreensão seria essa que pedi, seria somente a compreensão de alguma coisa que me inquieta. Essa mesma coisa por quem me debato todos os dias para pegá-la de surpresa como um mosquito que zune ao canto do meu olho, quase entrando no mundo paralelo dos meus ouvidos e que me incomoda terrivelmente. Canta, resmunga, fala o que não posso entender. É sua linguagem que não se encontra com a minha e aí não tem jeito porque não há o entendimento entre os dois, o mosquitinho e eu. Serei entendida, ou será impossível juntar o que vou dizer ao mundo?
   
Tenho minha imensidão criança e adulta ao mesmo tempo, e às vezes me afogo diante da devastação das duas quando trazem coisas que vivencio pela primeira vez. Ela, essa criança hospedada, costuma pegar meus braços ainda ingênuos e sai juntando todos aqueles brinquedos espalhados pelo meu tempo, porque ela sabe que eles ainda são tão vivos que encantam minhas histórias e vestem meus personagens.

Sei que você que está lendo agora acabou de se lembrar de um dos seus personagens, que criou justamente para juntar um pouco desse sentido e dessa compreensão do que está além do que podemos ver. Porque se existem mais coisas que ultrapassam nossas realidades famintas de vidas, essa dimensão mágica podemos criar estendendo nossa curiosidade infantil para além da maturidade que arrebata a graça de todos esses sonhos e deseja transformá-la em personagem feito de pedra branca com olhos de gelo bem transparente.

É bom ser adulto, mas ainda há quem adoraria voltar ao tempo de criança, e confesso que algumas vezes vou lá dentro desses sonhos embora hoje prefira esse estado adulto decorado com o material original daquele tempo líquido de encantamento e empolgação pelas cores do mundo que dá roupas novas aos dias que criamos.

Todos os nossos personagens podem sobreviver. A fórmula da vida eterna deles está em nossas mentes. Podemos deixá-los vivos, seremos seus amigos, irmãos, heróis, rivais, amantes, seus pais criadores. Teremos o conto do “e assim foram felizes para sempre” sempre dentro das nossas mãos carregadas de tintas. São essas as crianças que não podem morrer e não seguem a lógica compromissada do mundo bruto e real, porque são os imortais que criam a conexão viva das horas.


Agora, vem uma pergunta muito tênue e movediça e circular: aonde estão nossas crianças reais e interiores que deixamos em algum lugar, e só agora lembramos delas com a angústia e o medo que movimentam nossas almas carentes de sonhos e alguma segurança? Minhas crianças estão aqui ao meu lado, mas também andando pelo mundo, na Turquia, em Israel, no Afeganistão, Egito, Japão, Índia, Transilvânia, Sibéria e bem ali, quase na fronteira do Butão com seu índice de felicidade às alturas.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

outra forma de contato


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Quantas vezes o silêncio é necessário ao dia não sabemos, mas gostaríamos de ter um alerta bem no momento que antecede uma derrapada brusca – daquelas que o só o silêncio é mestre em resolver. Quando nos deparamos com inverdades que não podemos forçar a barra. Silêncio.

Muito mais solicitam o nosso silêncio do que percebemos. É essa capacidade de silenciar que tantas vezes se torna nosso maior presente do dia, e com ele vamos moldando uma casa clara, limpa e de tons mais alegres. Falo do silêncio inteligente, quando é utilizado para acalmar os ânimos e evitar confusões que desgastam o que temos de mais precioso em nossas mãos: nosso contato humano e a comunicação com o outro.

O silêncio, nas muitas ocasiões em que estamos à beira do nosso abismo interior ou exterior é nossa reflexão mais real, o fluxo coerente das nossas palavras que se guardam para o momento certo, reformulando-se, adaptando-se, seguindo-nos a passos firmes, mostrando-nos que nem sempre a palavra dita é a melhor opção para se provar algo. Espera, calma, olha o silêncio.

Há muitas fórmulas bem treinadas e estimuladas em livros de autoajuda, até mesmo alguns romances consagrados que trazem roupagens, através de personagens e roteiros que ensinam a arte de silenciar para o próprio bem. Não existem fórmulas prontas - existe a experiência, casos, acasos, histórias que se repetem e assim se tornam as melhores fontes para consulta pessoal. Vemos tantas vezes como as nossas crônicas que nos ajudam a viver mais silenciosos e prestando mais atenção em outras formas de linguagens que estão por aí.

É no silêncio oportuno que vivenciamos nossa extrema capacidade de entrega a uma solidão única e diferenciada: a de estarmos completamente sós e absorvidos dentro de nós por uma presença às vezes desconhecida, mas prestes ao início de uma compreensão; é como ser iniciado numa sociedade secreta, onde o iniciado vai tateando pântanos e personagens nem sempre confiáveis, mas sobretudo vai se adaptando, caminhando e estendendo os olhos ao que está à frente para ser descoberto.

Há maneira mais livre de se conhecer, sem passar pelo silêncio que nos revela o que de mais vivo levamos no corpo e na alma? Mas, para conhecer o que se é em profundidade depende muito mais do ato de expansão de si, de onde se pode chegar pelo caminho mais claro.

Essa falta de sons que parece mais profunda do que podemos imaginar exige sermos maior do que o silêncio vazio que muitas vezes nos persegue por puro orgulho, lembrando também o paradoxo de que é preciso silenciar diante de si várias vezes ao dia. E quando já for insuportável calar, a fala sempre virá para nos tirar do conforto do silêncio.

terça-feira, 12 de abril de 2016

existe mais que o avesso

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Flutuante na realidade. Não a que gostaria, mas a que está imersa em meu corpo todo. De alguns fatos, não acreditaria na existência não fosse o atrevimento da coisa vindo descaradamente e tomando os sentidos. É assim, uma manifestação intrusa.

Sabe uma possessão? Tá bom, já viu algum filme de terror em que um espírito revoltado vem e se apossa de uma mocinha tão indefesa e educada, mas de princípios indescritíveis? Talvez existe o avesso essa seja eu: pensando ser tão boa, educada, vívida, generosa. Mas, um ser complicado, inconstante, complexo, cheio de outras sutilezas incompreendidas, às vezes, intrusas em meu corpo como o espírito que falei há pouco. A possessão de mim e em mim.

Tem lógica: O que lhe toma o tempo todo? Eis a pergunta fria, grossa, com ar de inocência desmedida; ridícula; dolorida. Escrever, pensar criar? Tudo isso leva tempo e toma um tempo precioso demais para ser medido ou direcionado para o inútil que necessita ser vivido. Se for assim, hesito, latejo, não desejo, nem quero por ora. Prefiro outros meios que me fazem uma pessoa mais viva, sentindo a carne, o meio e o osso que dá o suporte para um corpo suspenso e íntegro para suportar o desmedido, o sem noção.

Mas eu tenho um tempo, uníssono, só meu. Intocável, inabalável, quieto e fatigado. Um tempo em reboliço que algumas vezes não entendo, porque não está aqui mesmo para ser entendido, está aqui para existir independente do que espero dele. É quase uma pessoa, quando ouso pensar o que seu poder faz de mim. Um indivíduo independente e sem medo de ninguém.

Existir está incrustado entre o tempo, quem está lá e o que fazer do que se tem. Tarefa difícil quando se trata de expor o humano em meio ao concreto das ruas, porque não podemos colocar as abstrações no centro de tudo, que ganharia o nome popular de loucura. E como seria esse mundo tão emaranhado de certezas se fôssemos todos loucos, vivendo de fantasias e diálogos desconexos? Talvez nossa existência tivesse mais alguns sentidos e pudéssemos criar mundos com maior liberdade.

Criar mundos? E quem deseja isso?

Liberdade? E quem ousa viver em liberdade?


Só temos a resposta dentro da gente.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

o sentido de dentro

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Sabemos quando é necessário parar um pouco, ou dar um freio brusco em algo que fazemos por gosto quando essa coisa começa a nos mover numa espécie de desorientação.

Uma pausa. Um passeio. Uma viagem. Alguns dias, meses ou anos distantes desse eu tão conhecido, mas sempre tão inacabável, e que está em total transformação. Mutável, eternamente mutável.

Instintivamente – e é muito mais complicado entender-se nesses dias movidos sobretudo pelo movimento inabalável da existência – algo perpassa delicadamente a cortina sensível que resiste. Entender, compreender, perceber mais que o jogo concreto das aparências.

Por que tudo, tão de repente, passa a ter um significado ambíguo, contestador, como se de fato estivesse ali tentando mostrar o outro lado da sua própria vida? Então, é esse o sentido?

A busca é a ultrapassagem imprevisível de si, sem ninguém que dite a cartilha teórica de como se vive e como deve ser. Não há nenhuma experiência escrita ou relato de alguém que tenha vivido da mesma maneira. O que há é o tempo veloz e o ser palpável que vive.

Talvez se necessite muito mais da descoberta, não por observação das muitas histórias triviais que aparecem diariamente, mas pela pura e total vivência de dentro do corpo, da mente, das explosivas e sutis sensações – imperceptíveis até, quando convidativas e provocantes.

E é sempre diante da gente que permanecemos intocáveis pela vasta capacidade do mundo nos transpor para algo que já existe.

E não é que enfim me dou conta que eu necessito de tudo aquilo que deixei em estado latente? Preciso e quero só para mim, mas de outra forma, por outros meios, outras percepções e sentidos que ultrapassassem palavras e sentimentos já tão desgastados: o fluxo da consciência – andando, tateando, fluindo, sendo em cada exato momento.

Deixo-o correr agora, mais livre e independente, sem início, meio e fim. Já estamos exaustos de ficções previsíveis, como se não existisse a alma do mundo dentro de cada um.                                                           

domingo, 3 de abril de 2016

compreensão depois do caos

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A morte. Relação de quase medo, surda, muda. Relâmpago rasgando o chão. Depois, a calma aparente se esgotando em cansaço novo. Hoje me veio a palavra do dia, e é dela que não preciso correr ou me esconder para escapar.
Descendo a rua, intacta, por dois ou mais um quarteirão até chegar ao café mais próximo da esquina; cheiro morno passando pela narina congestionada de frio e alergia crônica. Vai leve, criando atos e pensando em como se afastar deste esforço contínuo de entender o que nem sabe falar.
Uma fatalidade e uma grande vergonha; receio de chegar e não saber do lugar. Aonde? Alguém aí? Ou já estou sozinha, eu na infinita estrada de um mundo solitário? Ela olha o medo que vem chegando com um arrepio forte na espinha alongada e espalhada naquele lugar novo e rústico para uma estreante.
Não que seja o caos. Ou já é. Porque para falar do caos é necessário um silêncio agudo e a fragmentação do ser – quebrando, estalando, tilintando como vidro esbagaçado num chão branco quase transparente. O entendimento das partes novas e gastas. Quem sabe há a junção destes fragmentos bem miudinhos que agora formam a nova coisa dentro e fora da gente – para quem se desfragmentou – para falar da vida que vem ostentando o grito corpulento e quente de um recém-nascido.
Juntar o que está fora e trazer mais para dentro, para o centro do mundo. "Dai-me a força para entender essa compreensão necessária, intensa e tempestiva que é esparsa e se enraíza dentro do meu corpo..." – essa é a minha prece, se é que há o merecimento dessa compaixão e perdão. É que ouço tão pouco, sou omissa, rebelde, quase dona de mim. Quase, quase tantas coisas, e o meio-termo não me convém e me mata. É início e fim.
É que minha relação com a morte é de um fascínio tremendo. Não tenho medos. Miro um feixe que se estende desde o dia em que nasci e me eleva até agora, ao alto, ao alto... É a atração de dois seres que acenam e se chamam com devoção e paixão; dividem uma intimidade intocável. É a explosão dos atos.
Espera, é a implosão. Falo do momento, da exatidão, da ruptura. Sabe o segundo exato da passagem? É nisto que me detenho, sem retirar ou acrescentar nada. O que está próximo e distante e agora se une ao mesmo ponto infinito: ficar e partir.
A partir de uma palavra surge o que me agrava e me expele ao mundo.